A pandemia de coronavírus (Covid-19) terá impactos significativos e ainda não completamente dimensionados sobre a sociedade. Trata-se de um evento inédito na história, dado que, no passado, epidemias parecidas se desenvolveram em um cenário de muito menor integração entre países e pessoas, divisão do trabalho e densidade populacional.
Por se tratar de uma doença e de uma situação novas, as lacunas de informação e conhecimento ainda são muito grandes: taxas de letalidade, potencial de transmissão, tratamento, existência de outros efeitos ou sequelas no organismo dos que foram infectados, todas essas informações ainda são preliminares.
Nesse momento, a produção científica é crucial para melhor compreender a doença e seus efeitos e buscar soluções. Pesquisadores e cientistas, no mundo todo, em muitos casos a partir de uma boa coordenação governamental, estão se mobilizando para estimar tanto os efeitos da doença sobre a saúde da população quanto os impactos econômicos e sociais dessa pandemia. A Organização Mundial de Saúde (OMS),
[i] por exemplo, tem coordenado e mapeado os esforços de pesquisa no mundo, reunindo cientistas no tema e identificado as prioridades de pesquisa
[ii] neste momento. Portanto, este texto procura descrever alguns desses esforços de pesquisa, bem como detalhar informações críticas para que esses esforços sejam bem-sucedidos.
1. Testes para o vírus
O primeiro passo para entender a doença e seus efeitos na população é conhecer o número de pessoas infectadas, como esse número cresce ao longo do tempo e que percentual dos infectados irá evoluir para situações mais graves, demandando leitos hospitalares, ou morrer. A taxa de letalidade da doença ainda não é precisamente conhecida. Até dia 25/03, o mundo contabilizava aproximadamente 413 mil casos e 18,4 mil mortes
[iii]: uma letalidade de aproximadamente 4%. Entretanto, esse número não é inteiramente preciso pois varia significativamente com o número de pessoas testadas, já que pessoas com sintomas leves não têm sido testadas na maioria dos países. Isso também provavelmente explica por que essa taxa tem variado sobremaneira entre os países: na China está próxima de 4% enquanto na Itália, com 7,5 mil mortes e 74 mil casos, ela supera 10%.
Existem dois grupos de testes para o Sars-Cov-2, o primeiro e mais confiável é formado por testes moleculares
[iv] e baseiam-se na identificação do código genético do vírus em amostras colhidas do paciente. Para que esse tipo de teste seja possível, é necessário primeiramente conhecer o código genético do vírus, o que foi feito no Brasil, por um grupo de pesquisadoras e pesquisadores vinculados ao Instituto Adolfo Lutz e ao Instituto de Medicina Tropical, da USP
[v]. Ou seja, foi graças à ação rápida desses pesquisadores em sequenciar o DNA do novo vírus que foi possível começar a realizar os testes de diagnóstico do coronavírus no Brasil. O Instituto Adolfo Lutz é um laboratório público de pesquisa e vigilância epidemiológica vinculado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e que dispõe de laboratórios, equipamentos e pesquisadores capazes de realizar essas pesquisas (o sequenciamento do DNA do vírus) no tempo demandado por uma epidemia. Vale lembrar, essa capacidade é o resultado do investimento público em C&T realizado ao longo dos anos e, portanto, fruto de estratégias de longo prazo.
Esses testes demoram, quando a amostra é inserida no equipamento, cerca de quatro horas para ficarem prontos e demandam tecnologia específica, reagentes (os chamados kits diagnósticos) e mão-de-obra especializada. Eles custam aproximadamente R$ 150,00 por amostra, muito embora os preços possam variar significativamente (testes realizados pela Fiocruz podem ser mais baratos, enquanto laboratórios privados têm cobrado
[vi] R$ 350,00 para realizar o teste). Contudo, como tanto o número de equipamentos e, principalmente, os reagentes necessários são limitados, o crescimento da demanda por esses testes pode significar uma limitação na capacidade de oferta e uma demora maior para a liberação dos resultados. Por essa razão, até o momento, no Brasil, apenas os casos mais graves estão sendo testados, o que, em alguma medida, limita o conhecimento sobre a propagação da doença.
Um segundo grupo de testes, conhecidos como testes rápidos, é baseado não no reconhecimento do vírus, mas na resposta imunológica do corpo depois da infecção. Nesses testes, chamados testes sorológicos, procura-se por anticorpos desenvolvidos pelo corpo humano para fazer frente à infecção. Enquanto os testes moleculares são mais precisos no início da infecção, os testes sorológicos são mais eficazes em detectar a doença em suas fases mais avançadas.
Para que os kits de reagentes para o diagnóstico do coronavírus sejam comercializados no território brasileiro, eles precisam ser previamente aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No dia 17/03, pouco mais de 20 dias depois do primeiro caso de coronavírus ter sido diagnosticado no país, a Anvisa aprovou um protocolo rápido
[vii] para registro e aprovação desses testes. No dia 18, foram aprovados os primeiros oito testes
[viii] (todos sorológicos) para o coronavírus e no dia 20 foram aprovados mais três (dois moleculares e um sorológico)
[ix]. A partir dessas resoluções, ao todo nove empresas foram autorizadas a comercializar os testes no Brasil, o que pode reduzir o gargalo existente até o momento na testagem e, consequentemente, na produção de informações sobre o número de infectados.
No dia 24/03, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), maior instituição de C&T brasileira na área da saúde, vinculada ao Ministério da Saúde, finalizou o treinamento de 27 Laboratórios Centrais para que estes também possam realizar os testes de coronavírus em seus estados. Essa, juntamente com a produção de kits pela Instituição, é outra ação que deve ampliar sobremaneira a capacidade de oferta brasileira em testes para o vírus.
O fato é que quanto maior a testagem da população, mais conhecimento sobre a disseminação e sobre os efeitos do vírus será gerado. A tabela abaixo mostra o número de testes realizados em diversos países até dia 20/03.
Até o dia 26/03, por exemplo, os EUA já haviam realizado mais de 480 mil testes, ou 1,48 testes para cada mil habitantes. A Coréia, exemplo de país que teve uma estratégia ampla de testagem realizou, até dia 20/03, 316 mil testes: cerca de seis para cada mil habitantes. O governo brasileiro não tem divulgado, cotidianamente, o número de testes realizados no país. As informações disponíveis foram divulgadas, pelo ministério, no dia 24/03. Segundo essa informação, o país realizou, até aquele dia, pouco mais de 32 mil testes, ou 0,16 para cada mil habitantes. Para alcançar um nível de testagem compatível com países como a Coréia, o volume de testes que seria demandado ao longo da epidemia seria em torno de 1,2 milhão de testes. Obviamente, esse número deve variar de acordo com o nível de transmissão no país e com o número de pessoas que venha a apresentar os sintomas.
O Ministério da Saúde afirmou, em sua página na internet, que estaria ampliando o número de testes distribuídos no país para mais de 22 milhões
[x]. Esse número de testes significaria algo como 100 testes para cada mil habitantes, 16 vezes mais do que a Coréia realizou. Uma consulta aos especialistas e epidemiologistas brasileiros poderia ajudar o governo a identificar a necessidade de testagem no país e, assim, calibrar as medidas e recursos necessários para isso.